As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio

Gabrielle Weber
3 min readAug 6, 2022

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Nada além da obrigação

Eu sempre fui uma pessoa deveras insegura. Incapaz de enxergar qualquer qualidade no meu trabalho e nas minhas criações. Afinal, se eu consegui fazer, qualquer outra pessoa também seria capaz. Muito provavelmente, faria muito melhor do que eu. Talvez, tenha sido fruto da minha criação. Elogios eram muito raros na minha infância e adolescência. De fato, o que mais ouvia dos meus pais era o mais que frequente: “não fez mais do que a obrigação.” Nada parecia estar bom. No máximo, medíocre. Nem mesmo os dez que, com muito esforço, tirava, pareciam agradar. Passar na USP, em primeiro lugar no meu curso, então, passou completamente despercebido. Ninguém se importou em comemorar. Novamente, não tinha feito nada além da minha obrigação.

A sensação subjacente era a de que sempre tinha que fazer algo cada vez mais épico para chamar a atenção deles e, quem sabe, ouvir um parabéns, ou um “estamos orgulhosos de você.” Esforço e obstinação em agradá-los nunca faltou. Contudo, essa falta de reforço positivo, percebo hoje, destruiu completamente a minha autoestima. Transformou-me nessa pilha de insegurança. Aquela pessoa que sempre se questiona se o que fez está bom. Se não há erros crassos. Se está fazendo o suficiente. Sinto-me sempre em falta. Sempre em falha. Sempre incompleta. Na grande maioria das vezes, morro de vergonha de apresentar o resultado do meu trabalho. Colocando assim, surpreendo-me em ter chegado onde estou profissionalmente.

Resiliência, talvez, seja o começo da resposta. O restante veio de começar a perceber o problema e, de aos poucos, criar mecanismos que me permitissem mostrar o meu trabalho. Revisões incessantes. Duplas, triplas ou até quádruplas provas. A aprovação de algumas pessoas próximas, para as quais eu não me sentia tão envergonhada em me expor. Mas, pode ter certeza que ainda tem um monte de coisas engavetadas, esperando que eu me convença de que estão boas o suficiente.

Esses subterfúgios, contudo, funcionavam apenas para as coisas acadêmicas. Afinal, a exatidão da física e da matemática forneciam mecanismos de segurança. Mas, e para a música? Não tem como provar que uma música está certa. Isso sem contar que, por muitos anos, a música era a única forma em que eu conseguia entrar em contato e expressar os meus sentimentos. Era algo deveras íntimo para mostrar, mesmo para as pessoas mais próximas. Passei duas décadas escrevendo canções que ninguém nunca ouviu.

Até que nesses últimos dois anos, com o apoio da terapia e muito incentivo de algumes amigues mais próximes, eu comecei a criar coragem de mostrar a minha música. Primeiro, foram alguns vídeos com riffs perdidos que compartilhei no twitter ou instagram. Os comentários positivos certamente me ajudaram a continuar e dar o próximo passo: gravar a abertura do Mamucast!, um misto de pedido e intimação da esposa. Essa ideia, eventualmente, transformou-se na primeira música completa que gravei: Transition or Death, uma canção sobre como uma tentativa de suicídio frustrada matou a parte de mim que me impedia de ser eu mesma. Depois vieram dois covers True Trans Soul Rebel e Bonekinha, que, em comum com a faixa anterior, tiveram a sua insignificância restrita ao meu soundcloud.

Mal sabia eu que daria mais um passo nessa semana que passou: uma música de minha autoria tocando na abertura do BlaBlaNews. Estou feliz! Muito feliz, diga-se de passagem! É muito bom poder presentear amigues com uma música e elus gostarem tanto dela a ponto de a usarem como trilha sonora de seu trabalho. Uma exposição antes impensada, mas que agora me anima e me motiva a continuar escrevendo, gravando e mostrando a minha música ao mundo. Talvez, eu tenha encontrado algo em que seja realmente boa.

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Gabrielle Weber
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Written by Gabrielle Weber

Somente uma mulher trans se aventurando pelas famigeradas terras do estrogênio, enquanto tenta fazer ciência e educar. Artes marcias, café, música e RPG.

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