As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Oitava Semana

Gabrielle Weber
4 min readNov 28, 2020

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Nanopeitos

Talvez não haja evento mais esperado por uma transfeminina do que o desenvolvimento mamário. Certamente, esse foi o meu caso. Nas primeiras semanas de hormônio, vivia numa ansiedade intermitente para passar a mão sobre meus mamilos e perceber os carocinhos que sinalizariam o início de seu crescimento. Demorou mais do que gostaria, mas um dia, junto com dores excruciantes, eles apareceram. Desde então, vivo na expectativa de suas frequentes visitas, na esperança de que meus seios ainda estejam se desenvolvendo.

Não foi apenas o início do crescimento que me foi tardio. Enquanto via a maioria das meninas com algum desenvolvimento aparente na marca dos seis meses, algumas já com uma bela comissão de frente, o meu, para o deleite da disforia, foi muito mais lento. Aos seis meses, não passava de uma tábua com dois carocinhos por trás de minúsculos mamilos. Ansiava pelo decote aparente. O corpo, por outro lado, recusava-se a acompanhar a revolução que se passava na minha cabeça. A dissonância só aumentava e, junto com ela, o desejo de colocar silicone. A paz que me daria ver minha silhueta em harmonia.

Meu médico e principalmente minhas amigas diziam para ter paciência. Eles viriam em seu tempo. Mas que tempo próprio seria esse? Enquanto isso crescia a inveja das meninas que compartilhavam seu desenvolvimento fortuito ou na base da faca. Restava-me apenas o aumento da frequência das dores para me consolar e me dar esperanças. Seria algum dia uma grande peituda? Claro, ter demorado, quase um ano para estabilizar os meus níveis hormonais não ajudou. Enfim, na marca de um ano da terapia hormonal, eles se fizeram manifestos. Eram tímidos, marcavam apenas as roupas mais justas. Mas estavam lá. E de acordo com meu médico ainda cresceriam bastante. Finalmente, acalmei-me. Tanto que fiz um trato comigo mesma que só consideraria a possibilidade do silicone na marca de dois anos de níveis estáveis.

Acho que não preciso escrever que essa calma não durou nada. Poucos dias depois, estava eu novamente obcecada com o tamanho dos meus peitos. Tinham crescido desde a noite anterior? Ou tinham estagnado? Essa dorzinha significa que continuam crescendo? Não conseguia me sentir confortável saindo de casa se a roupa que usasse não os tornassem óbvios. De onde vinha essa necessidade de mostrá-los? Orgulho? Necessidade de me autoafirmar como mulher? Medo de ser confundida com um homem? Ou apenas uma garotinha feliz com um decote infinitesimal que sonhara a vida inteira?

Talvez uma sobreposição de todas essas sensações e um pouco mais. Precisava, para a minha própria sanidade mental, discernir entre o que era disforia, passabilidade, desejo ou apenas pressão estética. A vida da mulher trans é complicada. Ser lida como uma mulher cis em interações sociais triviais não é apenas uma questão de conforto psicológico, porém muitas vezes de segurança. E nada berra mais feminilidade do que um par de peitos enormes. Afinal, todas nós sabemos que os olhos dos homens, nossos principais agressores, são atraídos irremediavelmente por nossa comissão de frente.

Contudo, minha passabilidade, apesar de não ser perfeita, não me é um grande problema. Monotonicamente crescente, tem falhado apenas em raras ocasiões. Então não tem como ser essa a raiz das minhas questões. Talvez a disforia? Acho que não, ela se faz mesmo presente com respeito às chagas deixadas pelo envenenamento por testosterona da minha existência anterior. Restam apenas desejo e pressão estética. Mas como desemaranhá-los, se a mídia insiste em apenas um padrão de beleza feminina?

Ora, como boa matemática, já deveria saber que restava reduzir esse problema a um cuja resposta já conhecia. Por exemplo, como comecei a fazer as pazes com a minha testa enorme. Precisava, pois, olhar para a diversidade feminina. Estava cercada por inúmeras mulheres lindas (e muito gostosas) que tinham volumes mámarios compatíveis com os meus. Era questão de retreinar meus olhos e cérebro para com isso aprender a apreciar a minha própria beleza. Minha terapeuta diria que estou roubando ao utilizar a outra como fetiche, mas parte da análise reside exatamente em conhecer seus mecanismos e os utilizar com consciência. E talvez, nesse momento em que temo pelo retorno do nome morto, seja um compromisso necessário. Preciso, sobretudo, sentir-me bem e plena comigo mesma.

Não nego, também, que começar a ouvir inúmeras histórias de explantes mamários tem me ajudado a me desvencilhar da imposição de ter peitos grandes. Talvez, não seja mesmo um desejo intrínseco, mas um que me foi incutido a partir de um padrão de beleza insólito imposto por uma sociedade sexista. Há beleza em meus nanopeitos! Há graça em seu balançar enquanto me movimento. Há fluidez no aceitar-me como sou e perceber-me bela. Talvez seja esse o caminho para me afastar da nefasta sombra do nome morto.

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Gabrielle Weber
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Written by Gabrielle Weber

Somente uma mulher trans se aventurando pelas famigeradas terras do estrogênio, enquanto tenta fazer ciência e educar. Artes marcias, café, música e RPG.

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