As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Sexagésima Sétima Semana

Gabrielle Weber
3 min readJan 29, 2022

--

Visibilidade para quê?

Hoje é dia 29 de janeiro. Algumes de vocês devem prontamente saber que se trata do dia nacional da visibilidade trans. O porquê desse dia, talvez desconheçam. Há quase duas décadas, no dia 29 de janeiro de 2004, um grupo de ativistas trans foi até o Congresso Nacional para a realização de um ato político em defesa da diversidade de identidade de gênero como parte da campanha “Travesti e Direito”. Desde então, relembramos nesta data a nossa existência e enfatizamos o quão longe ainda ela está de uma dignidade mínima.

Não se trata de uma celebração! Afinal, como celebrar o fato de sermos ainda o país que mais mata pessoas trans, notadamente, travestis negras que subexistem da prostituição? Ao longo do ano passado, tivemos pelo menos 140 assassinatos de pessoas trans. Trata-se, sim, da denúncia de um genocídio velado que se desdobra diariamente diante dos nossos olhos, mas que vocês são incapazes de ver. Não enxergam, porque o cistema teima em não reconhecer a humanidade de nossas corpas trans. Não somos pessoas. Somos tratades com alteridade, domesticades ou relegades à sarjeta.

Não pedimos muito, apenas o mesmo que vocês já têm, mas que, de tão básico que é, são incapazes de perceber. Queremos poder usar o nosso nome. Ter os nossos pronomes respeitados. Usar o banheiro em paz. Andar na rua sem medo da chacota ou da agressão. Não ter que ouvir aquelas piadinhas sem graça ou aquelas perguntas invasivas. Queremos existir e não apenas sobreviver. Queremos ter empregos dignos. Queremos ter uma expectativa de vida de mais de 35 anos. Queremos envelhecer. Queremos ousar em ter um futuro.

Mas quantas travestis, mulheres ou homens trans temos para nos espelhar e nos inspirar? Sei que melhoramos muito desde do momento em que me percebi trans e descobri que transicionar era sinônimo de ser expulsa de casa e da escola, de prostituição e morte. Nos meados da década de 90, travesti só aparecia na mídia morta ou na capa de revista pornô. Como ainda me dói o slogan: “a mulher mais bonita do Brasil é homem”! Hoje temos travestis na política, nas escolas e universidades. Doutoras e professoras. Afinal, lugar de travesti é onde ela quiser. Mas ainda somos poucas, muito longe dos 2% que estimam compormos da população brasileira. Ainda somos a exceção. Ainda somos pioneiras.

E é sobre isso que se trata o dia da visibilidade trans, sobre ocuparmos os espaços que nos foram extirpados pela cisheteronorma. Sobre deixarmos de sermos o outro, para sermos apenas mais um na multidão. Somos todes iguais em nossas diferenças e, por isso, merecemos o mesmo respeito e dignidade. Parece inacreditável que em pleno século 21 ainda tenhamos que batalhar muito por coisas tão básicas. Mas não adianta chorar sobre o tempo que nos foi dado, cabe a nós apenas decidir o que fazer com ele. Podemos ser a mudança que tanto queremos. E sobre o ombro das gigantas que vieram antes de nós, resistir e triunfar.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

--

--

Gabrielle Weber
Gabrielle Weber

Written by Gabrielle Weber

Somente uma mulher trans se aventurando pelas famigeradas terras do estrogênio, enquanto tenta fazer ciência e educar. Artes marcias, café, música e RPG.

No responses yet

Write a response