As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Trigésima Quinta Semana

Orgulho para quê?
Junho é mês do orgulho LGBTQIA+. Mês em que a grande mídia resolve contar as nossas histórias de superação e resiliência. Porém, ao longo do resto do ano, opta por sempre nos representar de forma caricata e jocosa em suas produções massificantes. Mês em que as grandes marcas usam e abusam de nossas faces em suas campanhas publicitárias, todo um pseudoativismo que some com o início de julho. Não podiam ser mais descaradas em sua nefasta intenção de abocanhar uma gorda parcela do dinheiro rosa.
Não bastassem essas atitudes chovinistas, ainda temos que lidar com a reação desproporcional de certas parcelas reacionárias da sociedade, presente em todas as demonstrações de orgulho por algum grupo marginalizado. Do dia da mulher ao dia da consciência negra, passando pelo mês do orgulho, sempre ouvimos o mesmo tipo de questionamento infundado. Por que precisamos de um dia para as mulheres? Isso significa que todos os outros dias são dos homens? Por que há um dia exclusivo para a consciência negra e nenhum para a branca? Por que eu não posso me orgulhar de ser 100% branco? Onde está a marcha do orgulho hétero?
Não há nada mais fácil do que se orgulhar de si, quando se nasce homem cis, heterossexual e branco. Do alto de seu privilégio, não há portas fechadas, não há sonhos impossíveis. Ninguém lhe olha torto ou com desdém. Você pode caminhar sem medo pelas ruas. Todos lhe respeitam sem você sequer precisar abrir a boca. Você é um homem, tudo está ao seu alcance!
Sim, eu experimentei esse poder. Por mais que nunca tenha sido um homem, soube passar muito bem por um, a ponto da sociedade me conferir, mesmo que condicionalmente, todos esses privilégios. É inebriante e qualquer menção a perdê-los ou ter que dividí-los é simplesmente aterrorizante. Você não está preparado para deixar de ser especial! É desse medo que surgem essas reações.
Vocês deveriam se envergonhar dessa postura. Já que não sabem o que é crescer sem referências, sem horizontes. Com seus pais falando quão abominável você é. Com medo de ser expulsa de casa e ter que se prostituir para sobreviver. Vocês não sabem o terror que é crescer em um ambiente que lhe odeia, sob eterna vigilância e escrutínio. Em que qualquer deslize em manter a fachada cisheteronormativa é severamente punido. E não me venham com a ladainha de que vocês conseguem imaginar o horror que nós enfrentamos, porque não, não há nada na experiência cis-hetero branca que se compare. Simplesmente, aceitem a sua ignorância e ouçam as nossas vozes!
É desse instinto de sobrevivência, dessa resiliência em não deixar o cistema nos dobrar e de aprender a nos amarmos a despeito de seus preconceitos que surge o orgulho. Eu floresci nesse campo regado a ódio e sangue. Eu usei o cistema contra o cistema para ser quem sou. E me orgulho muito disso!