As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Trigésima Segunda Semana
Orgulho
Vergonha! É apenas isso que a sociedade quer que sintamos. Nossos corpos são abjetos. Nossas vidas, imorais. Devemos abdicar de nossas essências e nos conformar com as condições que a cisheteronormatividade impõe. Não sobra nada além da marginalidade. Do gueto. Da violência. Uma existência completamente cerceada. Melhor mesmo só se desaparecêssemos completamente e deixássemos de macular a perfeição desse cistema.
Dogmas e credos ditam como devemos nos comportar, como devemos nos vestir, o que é permitido e o que é proibido. Nosso destino é univocamente estabelecido quando nascemos. A presença ou ausência de um pênis, uma sentença de vida. E se por algum acaso a configuração genital for ambígua, já invocam a faca da normatividade. A diferença deve ser totalmente erradicada.
A gente cresce sabendo que é errada. Que nossos desejos são impuros. Lutando para se adequar. Porém, falhando miseravelmente. Ninguém quer ser motivo de vergonha para os pais. Afinal, aprendemos que devemos honrá-los a qualquer custo. Nossa cabeça fica uma bagunça. O medo de que nos descubram. De que nos punam. De que nos internem. De que nos expulsem. Daí vem a puberdade errada para piorar tudo.
É difícil se orgulhar quando se está no fundo do poço. Quando você se olha no espelho e não se reconhece. Mais do que isso, sequer consegue ver uma pessoa. Resta apenas um estilhaço de aborto. Mas não era isso que tanto queriam? Por que não estou feliz? Por que me odeio tanto?
Precisamos aprender a nos amarmos. Mas como? Se nem sabermos ser possível? Se não há pessoas como nós mostrando o caminho? Isoladas, definhamos ainda mais. Encarceradas em uma prisão sem paredes. Intransponível.
Resiliência é a chave para a sobrevivência. Precisamos resistir até poder existir. Enquanto isso, vivemos de migalhas: avatares virtuais e jogos de fantasia, uma vida condicional. No exílio, lutamos para nos entender. Autoaceitação é uma jornada solitária.
Mas um dia a gente rompe as amarras e brada pela liberdade de sermos nós mesmas. A felicidade de se enxergar e de ouvir chamarem seu verdadeiro nome é inebriante. Dá forças. Somos invencíveis. Não vai ser um bando de carola enrustido que nos impedirá. Não adianta invocar seus deuses de mentira. Eles, em sua inexistência, nada podem fazer. É inevitável, a revolução travesti vai derrubar o cistema. Suas igrejas vão queimar. O seu credo vai desmoronar. A diversidade reinará.
Da dor nasce o orgulho de ser! Eu existo! Eu resisto! Juntas vamos transformar o mundo!