As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Trigésima Sexta Semana

Gabrielle Weber
3 min readJun 13, 2021

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Dia dos Namorados, das Namoradas e des Namorades!

Junho, o mês do orgulho LGBTQIA+, é também conhecido em terras brasileiras como o mês dos namorados. Data de caráter puramente capitalista, mas que não deixa de servir à manutenção do cistema. Muitas marcas aproveitam o mês para estampar a bandeira do orgulho em suas campanhas publicitárias, porém, inexoravelmente, esquecem de nossos rostos, quando o assunto é o dia dos namorados. Irônico, não é mesmo? As mesmas empresas que tanto se esforçam para parecer que se importam conosco, também são aquelas que enfatizam que um casal de namorados é constituído univocamente pela combinação de um homem e uma mulher cis.

Enquanto vemos as redes repletas de fotos de casais cisheteronormativos, muites de nós vemos negadas toda e qualquer forma de afeto. Nossos corpos muitas vezes sequer são considerados dignos de amor. Relegados a meros fetiches no submundo da pornografia e da prostituição. Usados e rapidamente descartados na latrina de uma sociedade falida que repudia qualquer forma de diversidade. E mesmo aqueles casais que conseguem florescer nesse mar de ódio, muitas vezes se veem obrigados a esconder qualquer demonstração pública de afeto. A noção de amor prevalente em nossa sociedade cisheteronormativa é demasiadamente cruel.

Não nego, o maior medo na iminência da minha transição não foi o de acabar como a figura jocosa do homem vestido de mulher ou de ser agredida nas ruas, mas sim de perder a minha esposa. Estávamos juntas a mais de uma década, mas com um relacionamento espiralando para o fim, muito em função de minha crescente disforia. Não foi nem um pouco fácil me abrir para ela. Certamente, a conversa mais difícil da minha vida. Contudo, era necessário, simplesmente não era mais possível continuar a viver sob aquela máscara. Precisava ser eu mesma, apesar dos riscos.

Ela foi muito compreensiva. Muito mais do que eu poderia imaginar, mesmo nos cenários mais otimistas, que delineava em meus sonhos. Não fizemos muitas promessas naquela fatídica noite: apenas de que tentaríamos continuar juntas e de que seríamos mais honestas e transparentes. Foram meses estranhos que se seguiram. Meses de muitas conversas, repletos de descobertas. Meses para aprender quem eu era e ressignificar a nossa relação. Voltar ao estágio de amigas, quase desconhecidas, e reforjar um vínculo há muito corroído.

Nosso amor renasceu com muito mais ternura e força. Não fui eu apenas quem me redescobri, ela também precisou se redefinir. Encontramos nosso caminho e versões melhores de nós mesmas. Gostaria que nossa história não fosse tão exceção. Gostaria que mais pessoas trans pudessem encontrar o amor e afeto que merecem. Gostaria que os casais, trisais e n-sais LGBTQIA+ pudessem colorir o mundo preto e branco da cisheteronormatividade. Temos ainda um longo caminho. Afinal, não é fácil desconstruir séculos de ódio e preconceitos. Mas estamos no rumo de um mundo cada vez mais diverso e afeito à diferença! É um processo irreversível! Acostume-se!

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Written by Gabrielle Weber

Somente uma mulher trans se aventurando pelas famigeradas terras do estrogênio, enquanto tenta fazer ciência e educar. Artes marcias, café, música e RPG.

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