As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Septuagésima Segunda Semana
Prezado Homem Cis Não Seja Assim
Olá! Tudo bem? Você é trans? Onze em cada dez mensagens diretas que recebo via instagram ou twitter que não abrem logo de cara com a foto de um pênis indesejado começam assim. Há uma pequena variação, às vez usam travesti e outras transsexual. Esse último, um termo que odeio e acho super ofensivo. Não é como se eu não deixasse claro em ambos os perfis que sou trans. Chega a dar vontade de falar para o enxerido: querido, sou cis, só estou querendo zoar com a cara de alguns travequeiros. Claro, eu poderia apenas ignorar esse malas. Contudo, bate uma certa curiosidade científica, um tanto quanto mórbida também, e acabo algumas vezes puxando conversa.
Alguns demoram um pouco mais. Forçam uma conversa fiada na qual fingem, sem nenhum sucesso, interessarem-se por nós como pessoa. Mas essa máscara logo cai revelando o real motivo de nos importunarem: sexo. Não querem um relacionamento, apenas pornografia gratuita. Convidam para chamada de vídeo, mandam alguma foto sensual esperando que retribuamos a cortesia, isso quando simplesmente já não começam demandando que enviemos uma imagem de nossos corpos desnudos. São insistentes. Não compreendem o significado de um não. Esse, quando vem, desencadeia ou uma série de impropérios ou uma tentativa desesperada de chantagem emocional. A primeira reação é mais típica de brasileiros, estadunidenses ou europeus. Já a segunda, de árabes, indianos e turcos. Pelo menos foi o que pude aferir dos meus dados experimentais.
Minhas interações com o macho cis nos cantos mais obscuros da internet me ensinaram bastante coisa sobre como eles pensam e agem. Começando por pensar: uma palavra muito forte, a não ser que releguemos o pensamento à cabeça de baixo. Não sei se é apenas com nós travestis e mulheres trans, mas certo é que eles não nos enxergam como nada além de objetos, cuja única função é satisfazer seus mais pervertidos desejos. Eles chegam sem nem se apresentar e já agem como se fossem nossos donos: demandando, exigindo. Acham que tudo gira ao redor de seus falos. Afinal, quem não gostaria de ser penetrada por tamanho poder? Dizem-se inteligentes, mas tudo o que tem a oferecer são seus corpos sarados e seus membros que julgam avantajados.
Seres vazios, movidos por um desejo mórbido de dominar, possuir e descartar. Assolados por uma vergonha descomunal. Não é uma mera traição. Somos um fetiche proibido. Execradas pela sociedade. O que diriam se soubessem que o pai da família de bem brasileira estava se envolvendo com uma travesti? Mantenha no sigilo. Minha esposa não pode descobrir. Sabe, tenho filhos. Vontade de expor todos. Tenho pena dessas famílias, dessas esposas traídas, dessas crianças que no lugar de pai tem um depravado sexual.
Eles sabem que somos vulneráveis. Seres que a sociedade julga indignos de amor. Ostracizadas pela família e pelos amigos. Qualquer migalha de afeto deveria nos saciar. Infelizmente, é o que resta a muitas de nós. Poucas são privilegiadas como eu de ter uma esposa e viver num lar repleto de amor e carinho. Não deveríamos mendigar, muito menos nos sujeitar a esse tipo de situação. Não postamos nossas fotos procurando esse tipo de assédio. Não somos objetos. Não somos um par de tetas com um pinto! Mas que fixação pela nossa genitália que eles têm! Querem saber o tamanho. Querem ver fotos. Querem tocar. Querem beijar. Mas andar de mão dadas conosco, ouvir nossos desabafos ou simplesmente nos abraçar com ternura em público: nunca. Somos apenas objetos de prazer descartáveis. Achava que com a transição meu asco pelo homem cis heterossexual diminuiria. Ledo engano. Eles realmente se esforçam para serem desprezíveis.