As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Septuagésima Semana

Gabrielle Weber
3 min readMar 8, 2020

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Não quero a sua rosa vermelha de sangue

Dia da mulher e suas infinitas rosas acompanhadas de mensagens piegas de agradecimentos vazios. Parece que realmente acreditam que, com esses simples gestos, podem silenciar séculos de opressão. Fazer com que nos esqueçamos que mulheres são abusadas, estupradas e assassinadas todos os dias. Sempre o torpe motivo de recusarmos o papel de objeto. Não somos suas para sermos compradas e vendidas. Não estamos aqui para satisfazer cada um de seus desejos. Não somos empregadas para limpar-lhes a bunda ou escravas sexuais para sermos usadas e descartadas como um mero pedaço de carne.

Vivemos não apenas numa sociedade machista, cissexista e heternormativa, mas explicitamente misógina, gordofóbica, homofófica, capacitista, racista e transfóbica. Mulher é objeto e seu valor é ditado pelo seu corpo. Tem que ser branca, magra, alta, mas não alta demais, afinal o macho tem que mostrar sua superioridade, com seios fartos e quadril largo. Tem que estar sempre depilada. Lembre-se pelos são coisas nojentas e brocham os homens. Ninguém quer ficar com uma macaca. Tem que saber se vestir, maquiar-se, portar-se. Saber quando falar e sobretudo quando se calar. Ninguém gosta de mulher respondona ou que fale palavrões. Não é elegante! Não é feminino! Mulher tem que ser igual a uma boneca: um prêmio que seu macho exibe perante seus iguais.

Qualquer desvio desse padrão de beleza e somos descartas. Quantas mulheres já não foram trocadas por uma mais nova? Já estavam velhas, gordas, com os peitos caídos e com a bunda cheia de estrias e celulite. Perderam o fogo e a beleza da juventude. Já haviam sido mães e sua atenção tinha que ser dividida com a cria. Quantas mulheres já não foram substituídas na calada da noite? No segredo de uma foda discreta. Fetiches indiscretos relegados ao segredo do motel à beira da estrada. Essa é a vida das prostitutas e das travestis: indignas até de serem amadas.

O homem usa e abusa de seu papel de opressor. Ele nos separa. Ele nos faz odiarmos umas às outras. Ora, quem nunca ouviu a famigerada frase: “você não é como as outras mulheres”? Ele sabe jogar muito bem com o paralisante medo que temos do abandono. Ele aproveita que muitas de nós, sobretudo as travestis, as negras, as indígenas, as mulheres com deficiência e as gordas, mendigam por qualquer migalha de amor e afeto. Estamos sós. Afinal, o único e verdadeiro amor que uma mulher pode sentir é por um macho. Somos criadas para o matrimônio e maternidade. Somos incompletas sem um homem.

Separadas somos fracas e estamos a mercê de todo esse abuso. Há algo que o homem mais tema do que a nossa união? Talvez apenas que percebamos quão insólitos são os argumentos que fundamentam a pretensa superioridade masculina. Eles temem por seus privilégios conquistados na base de mentiras, opressão e sangue. Mulheres trans e travestis são um verdadeiro escárnio aos alicerces desse cistema. Afinal, quem em sã consciência abriria mão do privilégio masculino? Ou como justificar ter concedido tal privilégio a uma mulher? Enganadoras. Merecem a morte. Devem ser duramente eliminadas como toda falha na matriz. Precisamos nos unir! Precisamos nos ouvir! Precisamos nos amar! Precisamos nos dar valor e não aceitar os valores que os homens nos impõem.

E é por isso, homem, que eu não quero o seu parabéns ou a sua rosa. Quero seu respeito. Quero ser tratada como uma igual. Não me venha com esse papinho de “mas nem todo homem”. Porque toda mulher é vítima. Enquanto você passar pano para amigo machista ou se calar perante alguma injustiça ou agressão cometida contra uma mulher, você é igualmente culpado. Não basta falar em rede social que apoia o movimento feminista se suas ações demonstram o contrário. Hipócrita! Use o seu falso privilégio para alguma coisa de útil: desmantelá-lo! Por ora mantenha a sua mão opressora longe de mim!

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Gabrielle Weber
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Written by Gabrielle Weber

Somente uma mulher trans se aventurando pelas famigeradas terras do estrogênio, enquanto tenta fazer ciência e educar. Artes marcias, café, música e RPG.

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