As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio Centésima Décima Sétima Semana
Orgulho para quê?
Dia do orgulho trans passou e continuamos sem ter o que comemorar. Afinal, com pelo menos 175 assassinatos de mulheres trans e travestis registrados no último ano, mantemos, pelo décimo terceiro ano consecutivo, o inglório título de país que mais mata pessoas trans. O resultado é que a população transfeminina, sobretudo a sua parte negra, periférica e que ainda depende majoritariamente da prostituição como forma de sobrevivência, tem a pífia expectativa de vida de 35 anos, menos da metade da população brasileira geral. A situação é triste. É periclitante. Temos muito ainda o que fazer. Contudo, não quero olhar apenas para esses dados fúnebres. Não é deles que nasce a esperança, mas sim das pequenas constatações do dia-a-dia. Das ainda não tão frequentes histórias felizes. É sobre elas que quero falar.
Faz dois anos que saí do armário e pouco mais de um que comecei a efetivamente militar. Mas mesmo nesse curto período de tempo tenho a nítida impressão de que não apenas as vozes se multiplicaram, como ganharam força e coro. Talvez seja viés de confirmação, por estar cada vez mais inserida no movimento. Espero que não. O que sei é que a cada dia que passa me sinto menos sozinha. Menos desamparada. Conheci muita gente trans legal. Pude trocar experiências e histórias, perspectivas e sonhos. Só quem cresceu sem nenhuma referência, sabe o quão essencial isso é. Tornamo-nos aos poucos as nossas próprias referências. Tão importante quanto, conheci ainda mais cisaliades que não apenas queriam aprender como estavam genuinamente interessades a juntar suas vozes ao coro.
Esse amparo intracomunidade ganha ainda mais relevância, quando lembramos que muitas de nós perdem a família e amigues ao transicionar. Mais um lembrete cruel de que a sociedade ainda não nos aceita. Entretanto, resistimos, em nossos guetos ainda muitas vezes virtuais. Criamos nossas próprias famílias. Foi meio surpreendente perceber que da menina insegura e completamente perdida de pouco mais de dois anos atrás, tornei-me uma mulher segura de si e capaz de guiar as mais novas no começo de suas jornadas. Descobri-me não apenas mãe mas também vó de meninas lindas, brilhantes e que vão mudar o mundo. Vi o nascimento de mais uma ao longo desse mês. É uma sensação inenarrável acompanhar o desabrochar de uma garota tímida em um mulherão.
São ainda poucas as felicidades trans, mas elas estão se multiplicando, assim como as rachaduras no cistema. Ele está ruindo por dentro. Não adianta o quanto tentem nos massacrar. Existimos e resistimos desde tempo imemoriais e não vai ser um bando de imbecis transfóbicos que vai nos calar. De fato, estamos cada dia mais fortes, mais unidas e mais presentes. Trata-se apenas da derradeira reação desesperada de uma monstruosidade moribunda. O traviarcado se aproxima.