As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Nonagésima Oitava Semana

Gabrielle Weber
3 min readSep 4, 2022

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Ansiedades

A ansiedade tem se comportado como uma função monotonicamente crescente ao longo dessas últimas semanas. Talvez, só não tenha me incapacitado, por tê-la integrado por partes. Quebrado essa grande jornada em passos suficientemente pequenos. Faz exatos 49 dias que a data foi marcada. Desde então, minha cabeça só conseguiu pensar nos preparativos, o que, em particular, ajudou-me a não pensar demais na cirurgia em si.

A primeira tarefa consistia em saber se meu corpo estava realmente apto para tamanha empreitada. Marquei os médicos e os exames. Comecei com os de imagem, ultrassom da pelve e raio x do peito. Tudo tranquilo. A temida transfobia, felizmente, não aconteceu. Em seguida vieram os de sangue. Esses eu tirei de letra. Afinal, o que são oito tubinhos para quem normalmente tira 16? Faltava apenas a aprovação do cardiologista. Essa se delongou até a semana passada. Motivo: descobri que tenho o tal do intervalo PR curto. Daí, ele, por segurança, pediu um doppler, um holter e uma esteira para ter certeza que não tinha nenhuma arritmia.

A ansiedade só crescia. Sem saber se realmente poderia operar na data marcada, reservei onde ficar em São Paulo. O cirurgião recomendou fortemente que ficasse numa bola aberta de seu consultório, pelo menos durante o primeiro mês do pós. Para a minha sorte, minha esposa, rata desses aplicativos, encontrou um apartamento super bem localizado e a um preço que podia pagar. Comprei as passagens de ônibus também.

Com duas semanas de antecedência, removi a cipro do meu regime de hormonização. Libertador e, simultaneamente, assustador. Foi um remédio que custei muito para introduzir, devido, principalmente, aos seus efeitos colaterais de longo prazo, mas, como minha testosterona cismava em não baixar suficientemente com a monoterapia, foi o que sobrou. Felizmente, funcionou. Contudo, foi um ajuste muito fino, feito ao longo desses quase três anos, já que ela fazia com que minha prolactina subisse demais. Estava doida para me livrar dela. O que não esperava é que as ereções voltassem com tanta rapidez. Minha disforia foi às alturas. Acho que o meu único consolo era que a segurança de ter tomado a decisão certa só aumentava.

Enfim, faltando cerca de dez dias para a cirurgia, fui liberada pelo cardiologista. Mas, a tranquilidade durou pouco, porque a ansiedade tinha um novo foco, ou melhor, muitos. E se acontecer qualquer eventualidade que me impeça de ser operada? A mais óbvia era: eu ou o meu cirurgião pegarmos covid, mas a minha cabeça estava já tão afetada que se perdia em inúmeros cenários da maior improbabilidade. Outro medo era o de não ter material suficiente. Algo que foi sanado na consulta pré-operatória. Estava tudo em ótimas condições. Alguma vantagem essas malditas ereções que nunca cessaram completamente tinham que ter.

Agora, resta-me esperar a fatídica hora. Enquanto redijo este texto, sinto o meu intestino revoltado com os laxantes que tive que tomar para me preparar para amanhã. Lembrando-me, também, do litro de água que tenho que tomar por hora para não desidratar nesse processo. Não está fácil. Os próximos dias, semanas e meses serão muito interessantes, para não dizer extremamente desafiadores. Estou ansiosa para saber o que esse movimento me reserva. Novas experiências no horizonte. Bora embucetar.

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Written by Gabrielle Weber

Somente uma mulher trans se aventurando pelas famigeradas terras do estrogênio, enquanto tenta fazer ciência e educar. Artes marcias, café, música e RPG.

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