As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Nonagésima Primeira

Gabrielle Weber
3 min readJul 23, 2022

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A bandeira trans

A Data

Terça-feira à noite, estava finalizando o meu dia de trabalho, quando apareceu uma notificação do whatsapp. Olho de canto de olho, era da coordenadora de pacientes. O coração dispara. Será que enfim tinha saído a minha data? Não, não havia sido dessa vez. A mensagem dizia apenas: “Essa semana sai uma data.” Um misto de alívio e ansiedade se apossou de mim. Alívio, porque eu, para variar um pouco, não havia sido esquecida. Ela estava realmente se empenhando em alinhar as agendas do cirurgião e do hospital. Por outro lado, talvez, essa tenha sido a pior notícia que uma pessoa ansiosa como eu poderia ter recebido.

A espera me corrói. Entro em vigília. A atenção toda para as notificações do mensageiro instantâneo. É impossível me concentrar em qualquer outra coisa. Os minutos se transformam em horas, as horas em dias. E nada. Encontro-me inútil. A vida em estado de suspensão involuntária. Não há nada que possa fazer. Resta-me respirar com calma. Aquele exercício, passado pelo terapeuta para ver se o coração se acalma, ajuda. Pelo menos tinha tarefas burocráticas para me ocupar. Aplicar provas. Corrigir provas. Passar notas. Fazer vista de provas.

Absorta na trivialidade da minha existência, enquanto mostro aes alunes seus erros, nem percebo a notificação no celular. Retorno para casa, ainda sem saber. É apenas durante o almoço, aliviada com o final das aulas, que reparo que havia uma mensagem dela. Abro despretensiosamente. A espera havia enfim acabado. A data havia sido marcada. Conto para a esposa, sentada à minha frente. Ela sorri. Com muito mais entusiasmo do que eu, certamente.

Parece tão surreal, que não consigo acreditar. Continuo comendo como se nada tivesse acontecido. Aos poucos a frase vai tomando forma em meu cérebro. Olho novamente a mensagem. Quem sabe não se passava só de um sonho? Mas não, o sonho é real. A cirurgia estava marcada. MAR-CA-DA! Com o prato semi vazio, eu levanto de supetão e me aproximo da esposa. Preciso de um abraço. A felicidade começa a tomar conta. Saio pululando sem saber para onde, com um sorriso despretensioso e uma leveza sem tamanho.

Assim que essa primeira excitação diminui, peguei novamente o celular. Porém dessa vez para compartilhar a novidade com as amigas que partilharam do meu desespero e me ajudaram a tornar possível esse sonho. Precisava delas comigo nesse momento também. Não sei o que teria feito sem o apoio da minha esposa e delas.

As horas passam e o sorriso bobo continua estampado na minha face. Sei que em breve terei que cuidar das burocracias: pagar a cirurgia, agendar os exames, reservar um lugar para ficar. Mas, não agora. Agora é a hora de curtir esse momento tão singular e me embriagar nas possibilidades que se delineiam. Em breve, muito em breve, estarei completa.

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Written by Gabrielle Weber

Somente uma mulher trans se aventurando pelas famigeradas terras do estrogênio, enquanto tenta fazer ciência e educar. Artes marcias, café, música e RPG.

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