As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Octagésima Sexta Semana
Medo
Não sei se vocês já sentiram o terror que é ter a sua existência ameaçada, mas essa é uma sensação que me aflige recorrentemente. Não bastassem as notícias cada vez mais frequentes de recursivas perdas de direitos de pessoas trans ao redor do mundo, nessa semana, veio à tona um vídeo com duas notórias TERFs justificando o genocídio de pessoas trans. Estou desolada. Estou com medo. Um medo que não sentia desde as últimas eleições presidenciais. Um medo que só deve crescer ao longo deste ano.
É uma reação desproporcional de uma parcela significativa da sociedade perante um grupo de pessoas que deseja uma coisa muito simples: existir com dignidade. Não é como se estivéssemos pedindo diretos excepcionais ou removendo algum direito das pessoas cis. Sinceramente, eu não consigo aceitar que outro ser humano tenha a audácia de desejar a morte de uma pessoa desconhecida que nunca fez mal a ninguém, apenas por ser diferente. A existência de pessoas trans não nega e não coloca em risco a existência de pessoas cis, muito pelo contrário, deixa o mundo mais diverso, mais belo.
Contudo, parece que essas pessoas querem um mundo cinza e que toda tentativa de colorí-lo deve ser sumariamente rechaçada. Elas vivem sob hipóteses de universo muito restritas e, sob uma lógica muito torta, sentem-se ameaçadas pela nossa existência. Claro, foram criadas sob o dogma da binariedade e sob a ditadura do genitalismo. Construíram toda as suas vidas sobre essas mentiras. É natural que se sintam desnorteadas. A nossa existência gera perguntas. Perguntas para as quais elas não encontram respostas consistentes com suas religiões. Só que em vez de abandonar o barco condenado, elas insistem em tentar secar a água, eliminando-nos.
Como cientista, eu simplesmente não consigo entender como essas pessoas não descartam suas premissas erradas, quando se deparam com evidências que as contradizem. Para mim, não se trata apenas do caminho lógico, mas do caminho certo. São essas hipóteses erradas, essa pseudológica religiosa, esse apego desproporcional a tradições antiquadas, esse desconhecimento sobre si mesmo que geram o medo do diferente. É esse medo que leva ao ódio às pessoas trans. É esse ódio que leva ao sofrimento, o nosso e o deles. Eu tenho pena dessas pessoas, em sua burrice, em sua incapacidade de mudar, em sua incapacidade de abraçar o novo e, sobretudo, em sua incapacidade de serem felizes. Talvez, seja isso, a nossa felicidade incomoda e muito.