As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Quadragésima Terceira Semana

Gabrielle Weber
2 min readAug 8, 2021

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Um desabafo do submundo

Aviso de gatilho: o texto a seguir aborda disforia genital

Não estou bem. De fato, já faz um certo tempo que tenho me sentido assim. Disforme. Inconforme. A paz que vislumbrava com meu corpo não passou de um transiente. Um breve alívio em meio a um mar de dúvidas cuidadosamente ofuscadas por uma euforia contagiante. Mas a euforia passou e com ela levou todas as certezas que eu gostaria de ter. As promessas que fizera a mim mesma e à minha esposa, escritas em águas turbulentas, parecem agora insustentáveis. Meu corpo perto de um colapso, minha mente, de uma fissão.

Dois caminhos se delineiam à minha frente e eu não consigo escolher. Talvez por simplesmente me recusar a aceitar a realidade. Por que ela não se molda à minha vontade? Tenho tentado em vão trilhar o da aceitação. Contudo, a trajetória parece cada vez mais dura, conforme me distancio da encruzilhada. A vontade de recorrer ao outro e cortar o mal pela raiz, cresce quanto mais me afasto, ainda mais nesses momentos disfóricos. E de quem eu me afasto: da encruzilhada ou de mim mesma. Numa vã tentativa de me adequar ao inadequável. Mas e minhas promessas? E minha postura crítica à famigerada pseudobijeção? Seria muita hipocrisia me conformar à faca?

Sei que sou bonita. Ouso até dizer que sou gostosa. Mas por que só consigo me enxergar amarrada? Ou apenas do umbigo para cima? Ou de costas? Por que simplesmente não consigo me aceitar como a mulher de peito e pau que sou? Ou melhor, tento ser. Parece que há algo errado. Algo que não deveria estar lá. Um peso, um desconforto. Por que não consigo apreciar a beleza de meu corpo como aprecio a de minhas semelhantes? Elas são tão lindas e parecem tão em paz consigo mesmas.

Acreditei que a hormonização sozinha seria capaz de remodelar a minha relação comigo mesma. De fato, fez muita coisa. Ela me deu as curvas com que sempre sonhei: bunda, peito e silhueta. Mas por que não adormeceu a besta? Ela, que cisma em se levantar ao menor sinal de euforia ou de tesão. Dói, porém não fisicamente. Um desconforto que me acompanha há décadas, desde que deu seus primeiros sinais de vida, e que parece cada vez mais presente. Para piorar, entremeada com aquela sensação maravilhosa, pena que fantasma.

Gostaria muito de culpar alguém pelo que estou sentindo, por toda essa inconformidade, por todo esse vazio, por todo esse ódio. Mas quem? Meus pais? O nome morto? A sociedade? Mas como, se eu nem consigo me perdoar? Sinto que falhei comigo mesma.

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Gabrielle Weber
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Written by Gabrielle Weber

Somente uma mulher trans se aventurando pelas famigeradas terras do estrogênio, enquanto tenta fazer ciência e educar. Artes marcias, café, música e RPG.

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