As Aventuras de Gabi nas Terras do Estrogênio — Centésima Trigésima Oitava Semana
Cólicas “Menstruais”
Definitivamente eu não esperava por mais novidades na minha transição. Pelos menos, não como a de ontem. Afinal, já se passaram quase três anos de hormonização. No máximo acompanhava as mudanças incrementais, como a diminuição dos pelos no meu corpo e o vagaroso crescimento dos meus peitos. Mas para a minha nem tão grata surpresa, tive a minha primeira cólica, que por falta de um melhor nome, vou chamar de menstrual.
A famigerada TPM já me era uma antiga conhecida. Basta voltar algumas boas semanas em meus relatos, para se deparar com as narrativas dos meus primeiros encontros com ela, bem como o meu abasbacamento em passar por essa experiência. Desde então, todo mês, como um daqueles relógios que nunca falha, alguns dias antes da minha esposa chegar no período dela, passeava por quase todos os sintomas clássicos: das variações abruptas de humor a uma sensibilidade aumentada nos meus peitos, passando por uma ansiedade e irritabilidade exacerbadas. Contudo, nunca havia sentido nenhum desconforto físico real. Não vou falar que era gostoso, mas tinha um certo conforto na experiência. Uma sensação de pertencimento. Sou uma mulher.
Contudo, faltava um: as cólicas. Começou como quem não quer nada, com um leve desconforto abdominal. Prontamente confundido com cólicas intestinais, mas que não passava com diversas idas ao banheiro. Ele foi crescendo ao longo do dia. Irradiando para as costas e, enfim, para os quartos. Estava imprestável. E, quando achei que não podia piorar, fui assolada por um enjôo brutal. Nada parava no meu estômago.
Meio perdida, sem saber o que estava acontecendo comigo e morrendo de medo de ter que ir ao pronto atendimento, comentei com a minha esposa. A cada sintoma, ela abanava a cabeça em consentimento. Quando terminei de elencá-los, ela soltou, com uma certa ironia, um bem vinda à mulheridade, você está tendo a sua primeira cólica menstrual.
Já tinha lido alguns raros relatos sobre pessoas transfemininas passarem por essa terrível experiência. Mas, honestamente, nunca dei muito crédito. Como isso tudo seria possível sem ter um útero? Mas da mesma forma que passo pelos outros sintomas clássicos da TPM, mesmo tendo níveis hormonais essencialmente constantes ao longo do mês, há muitas coisas na minha vivência trans que ainda me escapam à compreensão. Se mal temos estudos sobre a saúde da mulher cis, não esperava encontrar nada de cientificamente concreto sobre o que estava acontecendo. No máximo, deparei-me com um par de relatos de outras mulheres trans. Aparentemente, não é um efeito tão incomum da hormonização. Só espero que mês que vem não seja tão brutal.